Ela tinha dito “não”. Em sua liberdade, ela não queria se casar com aquele homem muçulmano, muito menos converter-se ao islã. Foi por isso que Sonia Bibi, 20 anos, cristã de Multan, foi ensopada de gasolina e queimada viva por seu algoz. Ela está no hospital entre a vida e a morte, com 80% do corpo queimado. A violência brutal de Latif Ahmed, agora preso, eclodiu depois da enésima rejeição da sua proposta de casamento.
O episódio é um lembrete nacional e internacional de um fenômeno profundamente enraizado: os casos de moças (e meninas) de minorias religiosas (cristãs e hindus) sequestradas, agredidas, estupradas e forçadas ao casamento islâmico.
A prática é endêmica no Paquistão e, segundo fontes da agência vaticana Fides, atinge cerca de mil jovens mulheres por ano, especialmente nas áreas rurais. As mulheres pertencentes a minorias religiosas são duplamente vulneráveis: os homens muçulmanos sentem a certeza da impunidade e, muitas vezes, contam até com o apoio da polícia e do sistema judiciário.
“É muito difícil conseguir a punição dos responsáveis. Muitas vezes, nesses casos, a polícia não age, ou, pior, fica a favor dos estupradores”, diz o advogado cristão Sardar Mushtaq Gill, que tem acompanhado vários casos. “As famílias cristãs e as testemunhas são pressionadas para retirar as queixas. A violência contra mulheres e crianças de minorias religiosas acontece no silêncio: as histórias não vêm à tona”, explica.
O advogado conta um exemplo: Fouzia, 25, cristã casada e mãe de três filhos, foi sequestrada por Muhammad Nazir, 55, muçulmano, em julho passado. Ele a “converteu” à força ao islã e a tornou sua esposa. Nazir é fazendeiro de terras e toda a família de Fouzia trabalha para ele na região de Pattoki, no Punjab. Após a denúncia, Nazir advertiu que a mulher tinha se tornado muçulmana e ameaçou com “sérias consequências” se a família dela protestasse.
As histórias seguem um clichê: a família da vítima apresenta queixa, o estuprador faz uma contra-queixa e afirma que ela “fez uma escolha voluntária”. Na maioria dos casos, as vítimas são menores de idade sujeitas a violência doméstica e sexual. Caso se chegue ao tribunal, as meninas, ameaçadas e sob pressão indescritível, confirmam a “escolha” e depõem em favor de seus captores. E caso encerrado. Raramente as meninas retornam à família.
O fenômeno é confirmado por ONGs e estudos independentes, como no relatório “Casamentos forçados e privação da herança”, da Fundação paquistanesa Aurat, com sede em Karachi, sobre a situação das mulheres no Paquistão e a questão específica da discriminação religiosa.
“O crime de conversão forçada ao islã é generalizado, mas não é levado em devida consideração pelas autoridades civis e policiais”, observa o texto. “Faltam investigações sérias (…) Se as mulheres mudarem de religião depois de ‘se converterem ao islã’, o castigo é a morte por apostasia”.
A Fundação Aurat apresentou uma proposta de lei para evitar as conversões forçadas e exorta as autoridades civis e policiais a exporem esta prática para salvar as jovens das minorias religiosas.
É verdade que, recentemente, o governo da província do Punjab paquistanês lançou um projeto de lei para a proteção das mulheres vítimas de violência, que prevê a criação de comitês de vigilância e estabelece “centros especiais” para cuidar das vítimas psicológica e juridicamente. O primeiro centro será aberto justamente em Multan. No entanto, o espaço e a liberdade para as minorias religiosas e étnicas no Paquistão se estreita continuamente, afirma o Instituto Jinnah, prestigioso centro de pesquisas de Karachi. A instituição, batizada em homenagem ao fundador do Paquistão, Ali Jinnah, deplorou recentemente “a radicalização da sociedade”.
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