São mais de 60 anos desde que o Brasil sediou a mais importante competição do futebol mundial. Entretanto, neste ano, aquele sentimento de euforia da população brasileira que torce, grita, vibra e chora, não esteve tão presente. Não houve tantas bandeiras nas janelas, ruas pintadas, lojas decoradas. Por que será? Em 2007, quando o Brasil foi escolhido para sediar o torneio, a previsão era de um gasto em torno de 2,5 bilhões de reais custados, na maior parte, pelo financiamento privado. Foi o que afirmou Orlando Silva de Jesus Junior, Ministro do Esporte entre os anos de 2006 e 2011 em entrevista coletiva na época.
Atualmente, de acordo com informações do Portal da Transparência, os gastos públicos com a Copa chegam a R$ 25,8 bi. Deste total, R$8 bi foram gastos com a construção ou reforma dos 12 estádios, quase o mesmo gasto com as obras de mobilidade urbana. A grande questão é: que tipo de retorno à população estes investimentos poderiam trazer a longo prazo? Grande exemplo desta lacuna é o Estádio Nacional de Brasília, que custou R$1,2 bi numa cidade em que o Futebol não tem força, não tem “times oficiais” e que para manter a estrutura foi necessário fechar um acordo com diversos times do país para que fossem jogar lá.
Os gastos com estádio ficaram 2 bilhões acima do inicialmente previsto, valores que poderiam ser aplicados em outras áreas historicamente carentes para os brasileiros. Só para comparar, a reforma do Maracanã tinha gastos previstos de R$931 mi. Neste ano, o governo de Santa Catarina anunciou a construção de 9 escolas ao custo total de 6,5 milhões, cada escola atenderá 520 alunos. Ou seja, seria o suficiente para colocar 670 mil alunos nas escolas. Já o estádio do Corinthians tinha gastos previstos em aproximadamente R$890 mi, enquanto a Universidade do Federal do tocantis anunciou a construção de um hospital universitário ao custo de R$23 mi.
Podemos ir além. Com os R$ 8 bi investidos em estádios, seria possível: Construir cerca de 28mil postos de saúde equipados; 580 mil salas equipadas ou ainda comprar 99 mil ambulâncias equipadas. Então, pairou no ar a pergunta:
Essa copa é pra quem?
Em grande medida essa resposta veio das ruas. Durante a copa, diversas manifestações foram realizadas em todo o país. Embora visivelmente não tenham contado com a efervescência e a quantidade de pessoas que ocuparam as ruas em junho de 2013, estes protestos contavam com um diferencial importante: Apesar de haver diversas pautas, todas elas convergiam para a crítica contra o megaevento. Entre as queixas, a criminalização dos movimentos sociais, os projetos higienistas executados nos grandes centros, mobilidade urbana digna não somente em época de Copa, entre muitos outros.
Confira Algumas Imagens:
O grande grito da população era contra a dita “Lei de Segurança nacional”, que proibia a população de realizar protestos durante os jogos. Isso não impediu que grupos tomassem as ruas e, como era esperado, considerando a repressão sofrida por manifestantes em 2013, que a polícia agisse para reprimir as mobilizações. Em todo país, de acordo com as mais diversas mídias, as forças de segurança agiram com violência desproporcional, atacando manifestantes em atos pacíficos organizados para questionar os gastos desmedidos com o megaevento em detrimento da melhoria das políticas públicas.
Dos R$25 bi gastos pelo poder público com a Copa, quase R$2 bi foram destinados á compra de aparatos de repressão. Preocupados com a dimensão das manifestações que ocorreram por todo país em 2013, os governos criaram um clima de terror para afastar a população das ruas.
Em São Paulo, a manifestação mais expressiva foi a realizada pelo MPL (Movimento Passe Livre), questionando justamente as “condições especiais” a que foram submetidos os cidadãos durante os jogos (sobretudo os usuários das linhas 3-vermelha do metrô e 11-Coral da CPTM) além de reivindicar a abolição das tarifas no transporte público, luta do movimento há anos e que foi o grande estopim das manifestações no ano passado.
Durante a manifestações, ouvimos vários depoimentos. Questionamos aos manifestantes: Afinal, pra quem era aquela Copa? No Entanto, uma voz se destacou e suas palavras condensaram o que era dito por várias outras pessoas nas entrevistas. Conversamos com um Black Bloc (obviamente não identificado e o único que aceitou falar) e transcrevemos na íntegra seu depoimento:
Foto: Arnaldo dos Anjos |
“Eu tenho 18 anos, sou estudante do curso de veterinária e faço estagio na área. Antes que você me pergunte, eu sou adepto a ideologia e faço parte do grupo de black bloc. Somos conhecidos como os revoltados que vão para a rua quebrar as coisas dos outros, isso é verdade e não é. É verdade por que a gente quebra mesmo, e quebra sem dó. O governo rouba nosso dinheiro. A Copa, é um evento para os burgueses, para quem tem dinheiro, por que um trabalhador não paga R$500 num ingresso, tem gente que paga, mas eu tenho certeza que a maioria das pessoas não tem condição para isso. A copa não é do mundo? Então teria que ser para os ricos e pobres, por coisas como essas que eu sou a favor de manifestação. Ir a rua, gritar, xingar e ,querendo ou não, quebrar é uma forma de conscientizar as pessoas de que tá tudo errado. A mídia engana, a imprensa mostra só a festa, eu não vejo ninguém falar quem tá levando a boa com o nosso dinheiro. A mídia fala o lado bom, o governo suga o nosso dinheiro e a gente só se fode. Por que o dinheiro gasto nisso dava pra fazer duas copas, ou melhor dava pra investir no transporte que é péssimo, na saúde por que nem medico a gente tem direito e em educação. Mas não, ninguém investe por isso temos gente tão ignorante e por isso tem gente como a gente, os caras de preto que vão pra rua quebrar e dar prejuízo.”
As manifestações talvez não tenham alcançado êxito em suas reivindicações. Muitas informações acerca dos gastos com o torneio, dos acordos com a gigante FIFA, entre outras coisas, ainda continuam nebulosas. Logo após o final dos jogos, a vida retornou seu curso e cada coisa voltou a seu lugar. Não se veem tantos policiais nas ruas ou estações de trens. Os moradores de rua voltam, aos poucos, para os lugares antes chamados de lar, a tarifa não foi zerada... No entanto, estes protestos serviram a dois grandes propósitos: Primeiro, em muitos aspectos fez com que o brasileiro finalmente voltasse seus olhos para a situação do seu próprio país. Segundo, serviu pra mostrar que brasileiro definitivamente tem memória curta.
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