Flavio Morgenstern
Cardozo critica o impeachment por ter sido aceito por Cunha. Sem Cunha tentando se salvar, a peça tocaria em crimes ainda mais graves.
Cardozo critica o impeachment por ter sido aceito por Cunha. Sem Cunha tentando se salvar, a peça tocaria em crimes ainda mais graves.
De
acordo com a defesa de Dilma, consubstanciada na fala do ex-Advogado
Geral da União, José Eduardo Cardozo, o processo de impeachment é
viciado e contaminado em seu princípio por ter sido aceito, numa troca
de favores, pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha, político-anátema do país.
Eduardo Cunha, até fins de 2015, era da
base governista, tendo pedido votos para a eleição e reeleição de Dilma
Rousseff. Como a reeleição de Dilma passou por um triz (pouco mais de 1
milhão de votos), sem os votos de Cunha, forte liderança no meio
evangélico carioca, a presidente ora afastada poderia nem sequer ser
eleita.
Político envolvido até as narinas em
falcatruas, Eduardo Cunha passou todo o ano de 2014 sinalizando, em
claro tom de ameaça, que poderia deixar de ser interlocutor do PT na
Câmara. Enquanto isso, muito mais próximo de Dilma do que de Temer,
habilmente recusou mais de 30 pedidos de impeachment.
José Eduardo Cardozo, todavia, usou,
abusou e desgastou a imagem que Eduardo Cunha deixou para a nação nos
rastros de seu poder: o de um político com contas na Suíça, mentiroso e
corrupto.
De acordo com Cardozo, o processo de
impeachment foi aceito por Cunha em retaliação ao PT, e apenas se o
processo de cassação de seu próprio mandato fosse extinto.
Além da contradição óbvia (Cunha caiu
bem antes de Dilma), a grande questão que passa despercebida é que
Cunha tem dinheiro longe dos olhos vendados da Justiça justamente graças
aos mesmos esbulhos do PT, fonte da qual Cunha também tomava goladas
copiosas.
E Cunha, como admite o próprio Cardozo,
retalhou o processo de impeachment, justamente para não acatar crimes
que envolvessem sua própria atuação. Quando despachou o processo,
retirou tudo o que envolvesse 2014 e também a Petrobras – os mesmos
crimes petistas com somas vultosas que dificultariam em grau máximo a
defesa da presidente.
Cardozo, useiro e vezeiro de uma retórica para o público, integralmente oca em fundamentos jurídicos, abusa da captatio benevolentiæ ao
afirmar que o impeachment só aconteceu por um “conluio” envolvendo a
oposição e Eduardo Cunha, nome que choca ouvidos pouco profundos.
Auscultando-se sua mensagem, entretanto,
abrilhanta-se um ato falho: Eduardo Cunha só aceitou parte do pedido,
justamente retirando os crimes do PT que também complicariam sua própria
situação.
É curioso que José Eduardo Cardozo
afirme, no mesmo discurso, que o impeachment é viciado pelo toque de
Eduardo Cunha, e que, a um só tempo, a denúncia envolve muito pouco. A
imprensa, dócil, tampouco explica – e ainda aceita ser chamada de “mídia
golpista” sem um muxoxo em resposta.
H. P. Lovecraft, inicia seu mais famoso conto de horror, O Chamado de Cthulhu,
atentando para o fato de que a sanidade da mentalidade humana reside
tão somente no fato de não reunir dados desconectados da realidade para
formar um todo coerente. Se as pessoas começarem a fazer isso, a loucura
será geral.
José Eduardo Cardozo, o PT e a esquerda
acusam a peça acusatória de fraca e de manipulada por Cunha, crendo na
ignorância do curral eleitoral do PT, que votou sem ligar um fato a
outro. Todos acusam os dois ao mesmo tempo como duas falhas da
acusação – e não como uma dupla negativa reveladora. Se tal
eleitorado percebesse como seus heróis os tratam como gado, o fim do PT
seria ainda mais rápido.
Fonte: SensoIncomum
Fonte: SensoIncomum
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