Data da matéria - 06/06/2016
O NY Times, principal jornal americano, vive tempos difíceis. Teve de alugar metade do seu prédio para pagar suas dívidas, não consegue surpassar a imagem de um jornal de ricos alienados, vê sua tiragem minguando, sua influência se evaporar diante da população americana (é incapaz até mesmo de arranhar o fenômeno Donald Trump), demitiu um enorme contingente de jornalistas para não fechar as portas, terceirizou setores inteiros e enfrenta a maior crise de confiança perante a população americana (e mundial) de sua história – o mesmo que a Rede Globo enfrenta no Brasil.
O NY Times, principal jornal americano, vive tempos difíceis. Teve de alugar metade do seu prédio para pagar suas dívidas, não consegue surpassar a imagem de um jornal de ricos alienados, vê sua tiragem minguando, sua influência se evaporar diante da população americana (é incapaz até mesmo de arranhar o fenômeno Donald Trump), demitiu um enorme contingente de jornalistas para não fechar as portas, terceirizou setores inteiros e enfrenta a maior crise de confiança perante a população americana (e mundial) de sua história – o mesmo que a Rede Globo enfrenta no Brasil.
Contudo, basta que uma reportagem do NY
Times diga qualquer coisa sobre o Brasil ou algum evento de interesse do
noticiário brasileiro no mundo para que todos os jornais do país se
curvem imediatamente à sua autoridade. Deu no New York Times é inclusive o título do livro de Larry Rohter, o correspondente do jornal que foi quase expulso do pais por comentar, en passant, dos consabidos hábitos etílicos do então presidente Lula.
Se o NY Times disse tal coisa, tal coisa
só pode ser a verdade mais canônica e indisputada da humanidade, como
água ferver a 100° C ou triângulos não serem redondos. Assim falou o New
York Times. Ipse dixit. O que “deu no New York Times” é
considerado a Verdade Revelada, as tábuas da lei descendo o Sinai. Quem
ousa ir contra o que diz ele, o único, o NY Times?
A reverência pelo jornal aumenta na
proporção inversa de quanto ele já foi lido pelo acreditante do momento.
Nem mesmo os evangélicos caudatários da doutrina Sola scriptura possuem uma reverência tão grande por um versículo no Livro quanto um jornalista brasileiro por uma manchete do NY Times.
Um americano que se informa por NY Times
e pela CNN é ridicularizado como alguém no Brasil que diga que confia
primeiramente na Globo e na Record, ou que se fie pela Folha e e G1. É
um jornal para o típico público alienado nova-iorquino que nada conhece
da realidade fora da ilha de Manhattan. Um jornalista brasileiro que
cite o NY Times como fonte é saudado como o descobridor da pólvora. Um
jornalista com fontes de respeito. Um modelo arquetípico. Um jornalista
que, como Prometeu, vê a diferença entre o bem e o mal antes de eles se
concretizarem no mundo.
De acordo com a notícia do dia, o
governo Temer ganhou “medalha de ouro em corrupção” do jornal americano.
Um jornalista divulga o fato, todos os outros portais, incluindo os
mais concorrentes pelo mesmo público e os de tendência editorial mais
antagônica, repetem a mesma notícia, na típica autofagia jornalística denunciada
por Rolf Kuntz: jornais e jornalistas se alimentam do que outros
jornais e jornalistas dizem. A realidade, se vai de encontro a um
jornal, é uma fonte secundária e de menor peso do que o editorial e a
manchete berrante de um colega de profissão.
O editorial do NY Times
No editorial Brazil’s Gold Medal for Corruption de hoje, não se lê que o governo de Michel Temer merece uma medalha de ouro como o mais corrupto do mundo: o Brasil, como um país, foi considerado um país com medalha de ouro em corrupção.
Não surpreende: um país como a América,
com escândalos de corrupção colossalmente maiores do que a média dos
europeus ocidentais (Mãos Limpas inclusa) só pode ficar assustado com o
grau de corrupção brasileiro, sobretudo pós-PT. Se Collor tinha um Fiat
Elba, se FHC enfrentou os Anões do Orçamento, as malversações do PT de
Lula e Dilma envolvem cifras maiores do que o PIB de países
subdesenvolvidos. Além, claro, da compra de poder que fere a separação
de poderes da democracia e o financiamento, legal e ilegal, de
ditaduras violentas, aliadas da ideologia do partido.
Portanto, o que dizem que o NY Times
afirmou está completamente errado. Fosse Dilma Rousseff que continuasse
no poder, o interesse repentino do jornal e do mundo pelo Brasil graças
às Olimpíadas poderia escancarar a mesma reportagem. Não parece haver
muitos jornalistas no país interessados em usar a realidade como fonte, e
não o que algum espertalhão afirmou sobre o editorial. O contato com a
verdade, no Brasil, é sempre via intermediários.
O NY Times, todavia, possui erros de
reportagem do começo ao fim. O que explica sua baixíssima credibilidade
entre quem lida cotidianamente com o jornal e pode ver a verdade dos
fatos, muitas vezes inversa do que dizem as páginas do diário.
A publicação progressista abre comprando
a litania da falta de mulheres e negros nos ministros indicados por
Temer. A “pauta” foi feita por spin doctors da
própria esquerda brasileira, que precisava criticar o recém-empossado
presidente logo no primeiro dia,para causar uma impressão de “governo
injusto”. Tal fato não é dito pelo Times.
Nem que a presidente afastada Dilma Rousseff também tinha apenas um negro
entre seus ministérios em muito maior número: justamente o da
“Igualdade Racial”, que ninguém sabe para que serviu. Certamente, não
para promover a igualdade racial entre ministros. Foi apenas o
Ministério da Cota, o Ministério para dizer que existe. Nem para fazer
pressão no próprio governo serviu.
A grande tônica do artigo é um
questionamento que precisa de olhos americanos para se enxergar o
Brasil. Os jornalistas e membros do palpitariado que tentam tirar
conclusões para nossa própria realidade apenas atiram para longe do
alvo.
O que o NY Times questiona é como um
governo recém-empossado pode continuar com ministros envolvidos em
denúncias de corrupção, e como Temer, em menos de um mês de governo, já
demitiu três ministros por problemas com a Justiça (o último, na
verdade, por tentar dar uma “carteirada” num vôo para Curitiba, o que
tampouco é mencionado).
Até se poderia dar uma colher de chá
para um dos jornais menos confiáveis do planeta: o público americano
realmente não entenderia isso. Não apenas nossa cultura e mentalidade
são completamente distintas: o que mais se precisaria explicar no caso é
como nosso sistema político é distinto.
No sistema bipartidário americano,
partidos de médio porte, cuja principal função é fazer lobby eleitoral
para um lado ou outro, são engolidos pelos dois grandes partidos. Ao
invés de eleições gerais com vários candidatos, a briga ocorre dentro
dos grandes partidos.
Seria como toda a ala mais progressista
ou de esquerda do Brasil se unisse num único partido, e as disputas de
candidatura entre Marina, Lula, Luciana Genro ou Mauro Iasi
ficassem dentro do partido, para a maioria dos eleitores do partido
votarem em peso em um único candidato contra o adversário do outro
partido. O mesmo ocorrendo na ala conservadora ou de direita.
Não significa, portanto, que os dois
grandes partidos americanos pensem em bloco homogêneo, como é mais
próximo do modelo brasileiro. São “partidos” muito mais heteróclitos e
capilosos. Mas têm, entre inúmeras outras vantagens, a virtude de ter
debates ideológicos claros, sem tentativas de abuso da “linguagem de
diplomatas” para não ofender possíveis eleitores do campo oposto, além
de não precisarem ser mediados por algo fisiológico e sem ideologia além
do poder puro e simples como o PMDB: assim que um candidato é escolhido
nas primárias (quase que as “verdadeiras” eleições), ele tem a base de
apoio de todo o partido, sem precisar negociar cargos e poder com um
“meião” que tem poder de voto enorme, sem possuir idéia nenhuma.
Um americano que olhe para a situação de
Michel Temer, portanto, pensaria: “Como um vice, que é de outro
partido, pode estar envolvido nos mesmos casos de corrupção do partido
anterior?”
O que o NY Times poderia explicar, se
tivesse gabarito e vontade para tanto: o vice é do “meião”, inexistente
na política americana. Os ministros indicados por Temer, portanto, não
são seus “amigos” e nem seus companheiros de ideologia: são políticos
com muito poder de voto, num coronelismo que americanos nunca
entenderiam, protegidos em seu federalismo, e que ganham cargos em troca
de apoio.
O governo Michel Temer teve 3 ministros
que já rodaram? O jornal poderia muito bem explicar que isto é um avanço
enorme para o Brasil: no governo de Dilma, não apenas os ministros só
caíam quando já estavam quase indo para a cadeia ou ameaçando dedurar a
presidente em escândalos palacianos.
Pior: o maior escândalo brasileiro em
moralidade, embora não em somas vultuosas ou espalhamento em jornais
autofágicos, é a indicação de Lula para um ministério, a maior vergonha
para alguém que tenha coerência, por ser uma indicação para se ganhar foro e fugir da Justiça.
Ao invés de explicar isso no editorial, o
NY Times apenas repapagaia a litania de que Temer e Dilma possuem
ministros que “obstruíram a Justiça”. Nem mesmo o número de acusados de
cada lado é citado, muito menos que os de Dilma o fizeram, ao que tudo
indica, a mando da própria Dilma, que seria a grande ou única
beneficiária, enquanto os de Temer, já com poder dentro do governo
Dilma, só queriam salvar seus próprios couros.
Há um Freudian slip, um ato
falho do jornal, que revela de fato a que veio e a que, ou quem, serve
seu editorial: a preocupação é que Temer supostamente precisaria agradar
aqueles que consideram que o impeachment de Dilma Rousseff foi “um
golpe”. Nem mesmo os menos de 34% de brasileiros que não aprovam o
impeachment perfazem o total de pessoas que acreditam na lenga-lenga de
“golpe” (e bem provavelmente nem 50% de quem repete roboticamente tal
bordão acredita no que diz). Por que Temer, ou qualquer pessoa,
precisaria se preocupar justamente com radicais ideólogos impermeáveis à
realidade dos fatos?
O jornal ultra-progressista, considerado
por americanos algo como uma Caros Amigos com dinheiro (ou pelo menos
que já teve), tenta até dar a entender que Dilma Rousseff estava
empenhada na luta contra a corrupção. Por que não cita a indicação de
Lula a ministro? por que não comenta que Delcídio Amaral foi pego
tentando comprar o silêncio de Nestor Cerveró para não prejudicar Dilma,
e Aloizio Mercadante ele próprio tentou então comprar o silêncio de
Delcídio com ameaças veladas, até hoje não investigadas?
O editorial ao menos termina sugerindo
o que Temer deveria fazer, além de garantir autonomia das investigações
de corrupção: acabar com o foro privilegiado de autoridades. Bem, é o
que se deveria exigir sobretudo de Dilma, que indicou Lula a um
ministério logo após sua condução coercitiva e, não só possui foro, como
está até agora torrando dinheiro do pagador de impostos brasileiro,
mesmo afastada. Portanto, fica-se a dúvida: será que o mesmo empenho
teria sido dito se Dilma continuasse no cargo? Ou a agenda do jornal,
que já convidou Lula para ser “colunista” (sic), não ficaria um pouco abalada em sua estratégia de puxação de saco de progressistas?
O grande problema da autofagia jornalística não
é apenas a síndrome de vira-lata brasileira: também o próprio NY Times
não parece ver o Brasil, senão o que jornalistas e blogueiros
fracassados têm a dizer sobre o país.
Fonte: SensoIncomum
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